segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Cem Anos de Solidão, p. 89

"Com um galho de hissopo com tinta [José Arcádio Buendía] marcou cada coisa com seu nome: mesa, cadeira, relógio, porta, parede, cama, caçarola. Foi até o curral e marcou todos os animais e as plantas: vaca, bode, porco, galinha, aipim, inhame, banana. Pouco a pouco, estudando as infinitas possibilidades do esquecimento, percebeu que podia chegar o dia em que as coisas seriam reconhecidas por suas inscrições, mas ninguém se lembraria de sua utilidade. Então foi mais explícito. O letreiro que pendurou no cachaço da vaca era uma mostra exemplar da forma pela qual os habitantes de Macondo estavam dispostos a lutar contra o esquecimento: Esta é a vaca, e deve ser ordenhada todas as manhãs para que produza leite, e o leite deve ser fervido para ser misturado com o café e fazer café com leite. E assim continuaram vivendo numa realidade escorregadia, momentaneamente capturada pelas palavras, mas que fugiria sem remédio quando fosse esquecido o valor da letra escrita."

(grifos meus)
(grifos originais)

3 comentários:

  1. Agnaldo Farias faz menção a este trecho neste vídeo:

    http://www.youtube.com/watch?v=JQcfrgU_kqY&feature=player_embedded

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  2. Aqui, uma doença da Memória; com José Saramago, uma da Visão; com George Romero, uma da Racionalidade. As doenças parciais na literatura mostram uma humanidade insupotável, mas baseadas em demonstrações cotidianas de suas existências. Resta, aos que vivem, aceitá-las ou combatê-las.

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  3. Logo abaixo, uma passagem interessante:

    "Pilar Ternera foi quem mais contribuiu para popularizar essa mistificação [da invenção do passado], quando concebeu o artifício de ler o passado nas cartas de baralho, da mesma forma que antes lia o futuro."

    A doença literária (esquecimento) mostra a doença cotidiana tolerada (invenção da memória do futuro).

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